Definir os pontos chaves impede a dispersão
Falar demais pode estimular um enfoque diferente do pretendido
Semanas depois de aplicar o "Média Training" para um grupo de executivos de uma multinacional importante do setor de alimentos, um dos treinandos, executivo recém promovido ao cargo de diretor, me liga para dizer que está preocupado com o resultado de uma entrevista que acabara de conceder para um grande jornal da cidade. Diz que falou demais, tratou sobre temas variados, perdeu o foco de seu discurso e se sentiu presa fácil nas mãos do jornalista.
Antes de recapitular pontos específicos abordados em nosso treinamento, digo a ele para ficar tranqüilo, confiar no bom senso do jornalista, que saberá filtrar as informações colhidas, e aguardar a publicação da matéria. Se o resultado, como ele teme, for um desastre, avaliaremos juntos a melhor forma de trabalhar o rescaldo e minimizar os seus efeitos. Como ainda é inexperiente na função de porta-voz, sugeriu-me procurar o jornalista para que pudesse "ver" os seus apontamentos. De imediato lhe expliquei que esta seria uma interferência imperdoável, uma agressão de morte a ética. O jornalista jamais nos perdoaria! Por fim, percebeu que não podia se precipitar e avançar os sinais.
Conversamos sobre a entrevista, a primeira que concedia para um grande jornal. Tinha à sua frente um jornalista experiente e respeitado, que conhecia bem a pauta. O cliente confessa que se deixou impressionar, que ficou ligeiramente tenso e perdeu o controle. Ele atribui esse acidente de percurso ao fato de não ter seguido à risca uma das várias dicas que é passada durante o treinamento. Nesse caso, foi não ter definido antecipadamente os pontos chaves do seu discurso. E como ele bem lembrou, "nunca mais do que três!".
Executivos que desempenham o papel de porta-vozes, mesmo reconhecidamente bons de papo, devem entender que entrevista não é um bate-papo e ao falar além da conta se expõem ao risco de perder a essência do discurso e, conseqüentemente o tempo, seu e do profissional que se deslocou para entrevistá-lo. É importante frisar que quando se trafega por diferentes temas, o porta-voz pode, sem saber, estar plantando vento na entrevista para colher tempestade no jornal do dia seguinte.
Quando se fala demais e se têm à frente um jornalista atento, nada impede que o resultado da entrevista seja completamente distinto do esperado. Isso acontece porque o jornalista pode perceber - e isso não é incomum - um gancho bem diferente daquele que se quer abordado e publicar B ao invés da A, como esperaria a estratégia de divulgação.
O ideal é que o porta-voz, toda vez que se dirigir para uma entrevista, defina, antecipadamente, três pontos sobre os quais gostaria de abordar. Se o jornalista puxar um "quarto fio desse novelo", não o estique. Responda objetivamente e retorne rapidamente para os três pontos pré-definidos.
O executivo deve se lembrar, vez que é dito e repetido inúmeras vezes nos treinamentos, que os jornalistas anotam tudo. E sempre de maneira caótica, em razão da pressa. Depois, na redação, solitariamente, deve pinçar, do emaranhado de seus apontamentos, o gancho para abrir sua matéria. O que vier na seqüência será um alongamento do lead e o fechamento. Dificilmente utilizará tudo o que o executivo falou, ou melhor, tudo o que ele conseguiu anotar.
No dia seguinte, com a matéria já na rua, o cliente me liga para agradecer e se confessar aliviado. O jornalista reportou o cerne da sua mensagem e desprezou os excessos ou, como se diz no jargão da imprensa, jogou fora a gordura.